terça-feira, 30 de setembro de 2008

Instituto de Economia Corja Nossa Explica:


Crises são inevitáveis, fazem parte do capitalismo e configuram as forças políticas e econômicas. Independente de planos de resgate, haverá um ajuste tremendo na economia global. Em dois ou três anos veremos quem sairá fortalecido, até que ponto a dianteira americana será minada e quais os novos limites entre Estados e mercados. E continuaremos em um mundo capitalista. Isso porque nenhuma outra forma de organização político-econômica foi capaz de gerar e distribuir riqueza de maneira tão eficiente, compensando qualquer pecado capital que a crítica ao sistema tenha apontado.
Para simplificar as coisas, a crise atual é a correção de uma bolha no setor imobiliário americano. Entre 2001 e 2006, o Fed, banco central dos Estados Unidos, baixou os juros, aumentando a quantidade de dólares em circulação. Em grande medida ele pôde fazer isso porque o país estava se beneficiando dos enormes ganhos de produtividade em economias emergentes, em especial a China. Por um período longo, os EUA exportaram inflação e crescimento econômico, fato evidenciado pelo déficit comercial acima de 500 bilhões de dólares por ano ao longo desse ciclo. Sem inflação, os juros ficaram baixos e alimentaram apostas no setor imobiliário.
Até aqui, teríamos uma simples crise imobiliária. A partir de um ponto os preços das casas começariam a cair, as empreiteiras deixariam de produzir até os estoques encolherem, ao custo de alguns pontos porcentuais no crescimento econômico. Talvez veríamos alguma retração no consumo, desemprego localizado nas áreas ligadas ao setor da construção. O nó da crise atual está em como a bolha foi financiada. Algumas centenas de bilhões de dólares foram canalizadas para bancar hipotecas sem garantias.
Esse milagre da multiplicação do crédito só foi possível porque empresas de hipotecas e bancos de investimentos criaram instrumentos exóticos que partiam as dívidas, enrolavam a análise de risco e eram vendidos como seguros. Isso era feito sem supervisão das autoridades financeiras, sem padronização de contratos e sem um lugar para limpar o mercado. Quando os preços das casas começaram a cair, o calote disparou e os tais instrumentos exóticos passaram a se desvalorizar. Hoje ninguém sabe quanto valem.
A intervenção proposta pelo governo americano prevê a compra desses títulos. Não foi aprovada pelo Congresso porque tem pontos nebulosos. Se ninguém sabe quanto valem os papéis, quanto o Tesouro americano pagaria? Há poucas alternativas, porém.
Algumas delas defendiam que o governo deveria adquirir participação nos bancos que estão quebrando. Outros queriam um foco nas dívidas imobiliárias. O mais provável, ainda, é que se insista no plano de recompra, com mais concessões para a prestação de contas. Está claro que o sistema político americano precisa gerar algum colchão para que a queda dos mercados seja aliviada antes que empresas em outras áreas comecem a quebrar por falta de crédito. De qualquer forma, teremos pela frente meses (5, 10, 20?) de retração nos EUA.
Uma depressão como a dos anos 30 é improvável. Isso porque a economia global é hoje muito mais interligada e, por isso, robusta do que naquela época. Entre as duas guerras, o comércio internacional caiu de forma vertiginosa. Países amargurados pela Primeira Guerra se fecharam.
O sistema financeiro internacional ficou bloqueado por uma série interminável de negociações de dívidas de guerra. A superação da crise, portanto, ocorrerá em um ambiente em que há colaboração internacional. Os bancos centrais de Europa, Reino Unido e Japão agem em conjunto e a economia americana contará com a possibilidade de exportar mais enquanto corrige seu grande déficit.
Os países emergentes, embora fadados a crescer menos por conta da demanda menor no mundo rico, têm a chance de focar no crescimento interno. Se for controlada a espiral inflacionária global (algo bem provável com uma recessão americana) haverá espaço para políticas que levarão a maior consumo em mercados emergentes. Dentro de dois ou três anos, o crescimento global puxaria os EUA, e não o contrário.
Este ajuste significaria uma queda na vantagem econômica americana, mas não sua derrocada. Os EUA são ainda o país mais produtivo do globo, concentrando de longe a maior parte das companhias, marcas e universidades de primeira linha. Nada indica que seu poder de inovação será rapidamente ultrapassado. Apesar da popularidade da ideologia antiimperialista na América Latina, temos muito a ganhar com a superação coordenada da crise e a recuperação do crescimento dos EUA.



O texto acima é do jornalista Guido Orgis, feito especialmente para o blog Conxão Brasilia e a gente foi lá e Ctrl C/ Ctrl V. Guido foi repórter da Veja e da Gazeta do Povo e é mestre em Economia Política Global pela Universidade de Kassel, na Alemanha.


A charge é do Paixão

Candido/Corja Nossa.


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